Práticas Integrativas e Complementares
A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) foi oficializada no Brasil em 2006, após aprovação unânime pelo Conselho Nacional de Saúde.[1][2][3] Sob a influência do espiritismo[4] e a partir da invenção do conceito de racionalidade médica,[5] a expressão Práticas Integrativas e Complementares (PICs) foi criada para englobar as chamadas medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA) da Organização Mundial da Saúde (OMS).[6][7][8]
O objetivo da PNPIC é implementar tratamentos alternativos à medicina baseada em evidências na rede de saúde pública do Brasil, através do Sistema Único de Saúde (SUS).[9] A princípio contava com apenas 5 procedimentos. Mas em 2017 foram implementados 14 tipos de procedimentos. Em 2018 houve uma nova expansão do programa, quando foram incluídos 10 novos procedimentos.[10][11][12]
A Sociedade Brasileira de Física atacou duramente os aspectos pseudocientíficos da PNPIC.[13] As violações do código de ética médica pela PNPIC também foram intensamente criticadas pelo médico e popularizador da ciência Drauzio Varella,[12] pelo Conselho Federal de Medicina[14][15] e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.[11][16][17]
Durante a pandemia de COVID-19 no Brasil, o Conselho Nacional de Saúde recomendou a adoção das PICs como tratamento da auxiliar da COVID-19, depois ter rejeitado a adoção da cloroquina.[18]
Histórico
editarA inclusão das PICs derivadas das medicina tradicional e alternativa no Brasil tem como marco histórico as resoluções da VIII Conferência Nacional de Saúde, que deliberou em seu relatório final pela "introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços de saúde.[19]
A expressão "Práticas Integrativas e Complementares" (PICs) foi criada em 2005, depois do Conselho Nacional de Saúde rejeitar o uso da palavra medicina, empregada na expressão "Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares" presente em versões iniciais da PNPIC apresentada ao Conselho:[8]
"A médica Carmem de Simoni, que participou do grupo responsável pela elaboração da política e que, posteriormente, no período de implementação, foi sua primeira coordenadora, comentou o problema apontado pelo CNS com relação ao nome inicialmente atribuído à política e a solução encontrada para resolvê-lo:
Até aí o nome era Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares. Quando chegou no Conselho [CNS], o nome “medicina” não passou. Isso pelas mesmas questões que caem sobre a medicina chinesa. Enfim, não passou. Eles disseram: “Ah! Vocês querem passar a política?” Sim, nós queríamos. “Então tem que trocar o nome!” Nós falamos: “Tudo bem, a gente troca.” Pois bem, aí entramos numa salinha, cinco pessoas, e começamos a pensar no nome. Lá pelas tantas um [uma pessoa] entrou na sala e falou: “Mas tá muito demorado esse negócio. Por que vocês não colocam Práticas Integrativas?” E foi assim que aconteceu. Foi Divaldo Dias quem deu o nome para a política, quando entrou naquela salinha. E foi um nome muito bom! (Carmem de Simoni, em entrevista concedida em maio de 2013)."
Em 2017, 1,4 milhão de procedimentos individuais foram registrados como práticas integrativas e complementares pelo SUS, sendo estimado que 5 milhões de procedimentos desse tipo são realizados anualmente se somados os atendimentos coletivos. A acupuntura era o método mais empregado no SUS, com cerca de 707 mil atendimentos em 2017. Além da ampla difusão dos métodos, cerca de 30 mil profissionais foram capacitados na área em 2017.[10][20]
Ricardo Barros, ministro da saúde à época da ampliação do programa em 2018, declarou que o Brasil é o país que oferece mais suporte a essa modalidade:[21]
"Somos, agora, o país que oferece o maior número de práticas integrativas disponíveis na atenção básica. O SUS financia esse trabalho com a transferência para os municípios, e nós passamos então a caminhar um pouco na direção do fazer e não cuidar da doença."
Procedimentos
editarO Sistema Único de Saúde do Brasil oferece os seguintes 29 tratamentos alternativos:[21][22]
- Acupuntura[23]
- Antroposofia[24]
- Apiterapia[25]
- Aromaterapia[26][25]
- Arteterapia[27]
- Ayurveda[28]
- Biodança[29]
- Bioenergética[30][25]
- Constelação familiar[24][31][25][32]
- Cromoterapia[33][25]
- Dança circular[29]
- Fitoterapia[34]
- Florais[35][36][25]
- Geoterapia[25]
- Hipnoterapia[37][25]
- Homeopatia[38]
- Imposição de mãos[25]
- Ioga[39]
- Meditação[39]
- Musicoterapia[27]
- Naturopatia[40]
- Osteopatia[41]
- Ozonoterapia[42][25]
- Quiropraxia[43]
- Reflexoterapia[44]
- Reiki[45]
- Shantala[46]
- Terapia Comunitária Integrativa[47]
- Termalismo[34]
Críticas
editarEm 2018 foi anunciada a expansão do programa, apesar da reprovação feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). No dia 12 de março de 2018, o CFM emitiu uma nota criticando a medida do Ministério da Saúde.[14][15] A crítica baseou-se no fato de que as práticas de medicina alternativa implementadas pelo programa são pseudocientíficas e não têm qualquer tipo de comprovação científica de eficácia, efeito e segurança. O presidente do CFM afirmou que “A aplicação de verbas nessa área onera o sistema, é um desperdício e agrava ainda mais o quadro do SUS com carências e faltas”.[11][16][17]
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apontou a violação do Código de Ética Médica, Capítulo II, no trecho “é direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.”.[11]
O médico e popularizador da ciência Drauzio Varella criticou duramente a aprovação das últimas dez práticas e as alegações do Ministério da Saúde:[12]
A conclusão de nossa checagem é que as dez práticas que agora integram o SUS não encontram respaldo na ciência médica. Ou seja, a afirmação “Evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares” é FALSA.
Na revista Saúde, os biólogos Natália Pasternak e Beny Spira e o físico Marcelo Yamashita, do Instituto Questão de Ciência,[48] também criticaram a falta de evidências que suportem a adoção da PNPIC:[49]
Certamente devemos respeitar o direito individual de cada um escolher o seu tratamento. Mas definitivamente uma política pública não deve fomentar uma prática que não possui embasamento científico.
Ver também
editarReferências
editar- ↑ Toniol, Rodrigo Ferreira (2015). Do espírito na saúde: oferta e uso de terapias alternativas/complementares nos serviços de saúde pública no Brasil (Tese de Doutorado em Antropologia Social). Porto Alegre: UFRGS.
- ↑ «11 anos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares!! – ABRANA – Associação Brasileira de Naturologia». www.abrana.org.br. 2017. Cópia arquivada em 9 de janeiro de 2019
- ↑ Tesser, Charles Dalcanale; Sousa, Islandia Maria Carvalho de; Nascimento, Marilene Cabral do (2018). «Práticas Integrativas e Complementares na Atenção Primária à Saúde brasileira». Saúde em Debate. 42 (Especial 1): 174–188. ISSN 0103-1104. doi:10.1590/0103-11042018s112
- ↑ Pasternak, Natalia; Orsi, Carlos (15 de janeiro de 2021). «Kardecism: the fringe spiritualist doctrine which became the soul of pseudoscience in Brazil». The Skeptic (em inglês). Cópia arquivada em 24 de junho de 2021.
When the Brazilian dictatorship of 1964-1985 came to an end and the country drafted a new democratic Constitution, spiritists were on the forefront of the effort to institutionalise alternative medicine in the healthcare system. Spiritists leaders demanded “a New Epistemology for a New Republic”, and the First International Congress on Alternative Therapies that took place in São Paulo in February, 1985, was a de facto spiritist Congress. If Brazil was to have political freedom, why not epistemic freedom? So now, 36 years on, we have 29 complementary and alternative therapies paid for with government funds.
- ↑ Lorenzo, Tiago de Almeida Garcia (2017). Homeopatia no SUS : uma análise da controvérsia científica a partir da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (Dissertação de Mestrado em Sociologia). Brasília: Universidade de Brasília.
Aí está mais uma vez o nome da Professora Doutora Madel Luz, desta vez citada diretamente no texto da política e sustentando a descrição de uma categoria crucial para sua estruturação. É interessante notar que há certa circularidade na definição: O campo da PNPIC contempla sistemas médicos complexos e sistemas médicos complexos são abordagens do campo das PIC. Interessante ainda notar o uso do termo “teoria”, próprio da ciência, mas que é usado para singularizar: “teorias próprias”. Individualização que fortalece a ideia de que é o próprio sistema que julga (ou deve julgar) a si mesmo, por seus próprios critérios, por suas próprias concepções de saúde e doença. A ciência médica convencional seria apenas mais um sistema médico possível, e ela só teria alcance de julgar as práticas internas a seu sistema.
- ↑ «Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares». Ministério da Saúde. 2020. Arquivado do original em 30 de março de 2020
- ↑ Toniol, Rodrigo (2017). «Atas do espírito: a Organização Mundial da Saúde e suas formas de instituir a espiritualidade». Anuário Antropológico (II): 267–299. ISSN 0102-4302. doi:10.4000/aa.2330
- ↑ a b Toniol 2015, p. 41.
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Leite afirma que não há contradição nas recomendações do CNS sobre o uso da cloroquina e das práticas integrativas. “A cloroquina em si é um tratamento [que não tem eficácia comprovada]. As práticas integrativas são complementares ao atendimento.”
- ↑ Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS / Brasília: Ministério da Saúde, 2006
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Bibliografia
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- Toniol, Rodrigo (2016). «Cortina de fumaça: terapias alternativas/complementares além da Nova Era». REVER - Revista de Estudos da Religião (2): 31–54. ISSN 1677-1222
Ligações externas
editar- «Pseudociência no SUS (#Pirula 249)», Canal do Pirula no YouTube
- «Linha do Tempo: Conferências Nacionais de Saúde»
- OMS
- «WHO resolutions on Traditional Medicine» (em inglês)
- Portal do Ministério da Saúde