Racismo ambiental
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Racismo ambiental é um termo criado e utilizado nos Estados Unidos, para descrever a injustiça ambiental em contexto racializado. Refere-se a como comunidades de minorias étnicas são sistematicamente submetidas a situações de degradação ambiental.[1][2][3] Em sentido mais amplo, descreve as relações ecológicas desiguais entre o Norte e o Sul Global, associando-se ao colonialismo, ao neoliberalismo e à globalização.[4]
Em janeiro de 2024, o conceito entrou em voga na mídia brasileira depois que a ministra da igualdade racial, Anielle Franco, associou ao racismo ambiental aos danos causados por enchentes então ocorridas no Rio de Janeiro.[5][6][7]
Conceito
[editar | editar código-fonte]O racismo ambiental (ou racismo meio ambiental) é um termo usado para descrever situações de injustiça social no meio ambiental em contexto racializado, ou seja, nas quais comunidades pertencentes a minorias étnicas, como as populações indígenas, negras e asiáticas, são particularmente afetadas.[1]
Situações de injustiça ambietal podem incluir a inacessibilidade a recursos naturais (como ar limpo, água potável e outros benefícios ecológicos), a exclusão da tomada de decisão sobre territórios tradicionais[8] e recursos naturais locais,[9] e também o sofrimento das mazelas das degradações ambientais, como:
- Inundações;
- Queimadas;
- Poluição;
- Contaminação pela extração de recursos naturais e industriais;[10]
- Exposição à resíduos tóxicos;
- Ausência de saneamento básico;
- Situação precária de moradia;
Normalmente, quando referido dentro de um contexto internacional, o racismo ambiental descreve as relações ecológicas desiguais entre as nações industrializadas (o Norte Global) e países mais pobres (o Sul Global).[4] Neste sentido, associa-se diretamente às heranças da história colonial e do neocolonialismo sobre as minorias étnicas, bem como, às forças do neoliberalismo e da globalização advinda das grandes potências capitalistas sobre a biodiversidade nativa e comunidades locais dos países emergentes.[11]
Contexto histórico
[editar | editar código-fonte]O termo "racismo ambiental" foi cunhado em 1982 pelo norte-americano Benjamin Chavis, ativista do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos.[12][13]
Conhecido por ter sido, ainda adolescente, assistente de Martin Luther King Jr., Benjamin Chavis foi, posteriormente, notório membro de várias organizações negras estadounidenses, como a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor.
Origem
[editar | editar código-fonte]Acredita-se que a frase foi usada pela primeira vez no ano de 1982, no momento em que Chavis gritou "Isto é racismo ambiental!" ao ser preso, durante protesto contra um aterro químico de Bifenilpoliclorado no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.[14] Neste contexto, Bejamin Chavis cunhou o termo para se referir à:
Discriminação racial no ataque deliberado às comunidades étnicas e minoritárias por meio de sua exposição à locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na elaboração, cumprimento e reparação das políticas ambientais.[15] [tradução livre]
Definição
[editar | editar código-fonte]O conceito foi expandido no livro Confronting environmental racism: voices from the grassroots ("Confrontando o racismo ambiental: vozes do movimento de base", tradução live para o português).[1] Esta obra, publicada no ano de 1993, foi organizada pelo intelectual negro Robert D. Bullard, também norte-americano, conhecido por ter cunhado o termo justiça ambiental.[16] No prefácio ao livro de Bullard, Chavis definiu racismo ambiental como:
Discriminação racial na elaboração das políticas ambientais, aplicação e regulação de leis, o ataque deliberado às comunidades de cor por meio de instalações de resíduos tóxicos, a sanção oficial de venenos e poluentes cuja presença causa risco de vida para nossas comunidades e a história da exclusão de pessoas de cor da liderança dos movimentos ecologistas[15] [tradução livre]
Direitos civis e ambientais
[editar | editar código-fonte]Ao longo das décadas 1960, 1970 e 1980, os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos conviveram com os movimentos por justiça ambiental. Suas pautas se aproximaram em vários pontos. Covergiram na mobilização de pessoas preocupadas com suas localidades e com a saúde comunitária, ecoando preocupação ambiental e empoderamento político na luta antirracista.[17]
O reconhecimento da noção de racismo ambiental impulsionou o movimento social de justiça ambiental e redefiniu o ambientalismo, movimento que ganhou força nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos.[18]
Internacionalização
[editar | editar código-fonte]Embora o termo tenha origem estadounidense, o racismo ambiental passou a ser utilizado em nível internacional. Exemplos incluem sua utilização por comunidades marginalizadas do Sul Global frente à importação de resíduos perigosos permitidas pelas políticas ambientais de seus países - liberais em relação às pressões das grandes corporações do Norte Global.[4]
No Brasil, foi realizado no ano de 2001 o "Primeiro colóquio internacional sobre justiça ambiental, trabalho e cidadania" na cidade do Rio de Janeiro, marcando a criação da Rede Nacional de Justiça Ambiental. No ano de 2005 ocorreu o "Primeiro seminário brasileiro contra o racismo ambiental". Desta maneira, estes dois termos, originados no contexto norte-americano, foram importados e adaptados para explicar a realidade brasileira.[19][20]
Racismo e injustiça ambiental
[editar | editar código-fonte]O racismo ambiental é uma forma específica de injustiça ambiental, na qual acredita-se que a causa subjacente é a discriminação étnico-racial.[12][20]
América Latina
[editar | editar código-fonte]Na América Latina, o termo racismo ambiental se difundiu, com mais força, a partir dos anos 2000.[19]
Além da histórica e elevada desigualdade social e discriminação étnica, as situações de injustiça ambiental emergiram em virtude da situação política e econômica dos países latino-americanos no cenário internacional, marcada pela exploração intensiva e simultânea tanto dos recursos naturais, quanto da força de trabalho.[20]
Brasil
[editar | editar código-fonte]Além de marcado por forte concentração de renda e de poder, inúmeras situações de injustiça ambiental e conflitos étnicos são historicamente observados no contexto brasileiro.[21]
Dois dos maiores desastres ambientais da história recente do Brasil comprovam as teorias de racismo e injustiça ambiental:
- 84,5% das vítimas imediatas do rompimento da barragem em Mariana em Minas Gerais eram negras. O desastre do ano de 2015 foi de responsabilidade direta da mineradora Samarco, que poluiu a bacia do Rio Doce com rejeitos de mineração, destruiu casas e matou 19 pessoas. A lama tóxica contaminou as águas do rio, matando peixes e a subsistência de comunidades ribeirinhas e do povo indígena krenak.[22][23]
- 58,8% dos 259 mortos e 70,3% dos 11 desaparecidos do rompimento da barragem em Brumadinho, também em Minas Gerais, se declaravam como não-brancos e tinham renda média abaixo de 2 salários mínimos. O desastre de 2019, responsabilidade da mineiradora Vale, trouxe igualmente injustiça ambiental para a população da região, incluindo o povo pataxó.[23][24]
Governo Bolsonaro
[editar | editar código-fonte]No Brasil, o racismo e a injustiça ambiental recrudesceu-se com o fenômeno do bolsonarismo.[25] A política ambiental do governo Bolsonaro ameaçou esforços globais de preservação do meio ambiente[26] com ações no escopo do necropolítica, como por exemplo: ameaças contra os direitos de povos indígenas e quilombolas com incentivo aos desmatamentos e a liberação de agrotóxicos;[27][28][29]bem como a falta de medidas contra a COVID-19, que afetou desproporcionalmente as populações de favela.[30]
Favelas
[editar | editar código-fonte]O racismo ambiental também se expressa em sua esfera urbana, apesar da luta ambientalista estar frequentemente ligada aos biomas de floresta ou localidades rurais no geral.[30]
No Brasil, em especial, as favelas e regiões de periferia são regiões racializadas e marcadas por um série de violações de direitos,[31] dentre eles, aqueles que giram em torno da tríade "saneamento, saúde e meio ambiente".[32] A negligência da saúde ambiental em saneamento da população negra das periferias e favelas do Brasil é considerada uma forma institucionalizada de racismo ambiental.[32]
Em 2024, o tema entrou em voga na mídia brasileira por conta da associação feita por Anielle Franco, então Ministra da igualdade racial do país, entre o racismo ambiental e os efeitos desproporcionais das enchentes no Rio de Janeiro, ocorridas em 14 de janeiro.[5][6][7]
Além de se expressar por meio da esfera da saúde ambiental, o racismo ambiental nestes locais também se reflete nas altas taxas de homicídio de jovens negros,[31][32] fenômeno por vezes denominado "genocídio do povo negro".[33]
Terras Indígenas
[editar | editar código-fonte]Os povos indígenas são também acometidos pelo racismo ambiental no Brasil. A contaminação de suas aldeias por agrotóxicos associados ao avanço do agronegócio em território indígena, a falta de território para a manutenção de seus modos tradicionais de vida, a exploração sexual de menores e a precarização da mão de obra, estão entre as causas, por exemplo, do alto índice de suicídio entre os jovens indígenas.[31] O conflito por terra também é responsável por um alto nível de assassinatos de lideranças e desocupações de comunidades.[34]
No ano de 2019, em face ao racismo ambiental, foram registrados:
número de casos | categoria da violência | observações |
---|---|---|
1.120 | violências contra o patrimônio dos povos indígenas | 256 casos de exploração ilegal de recursos naturais |
135 | mortes por assassinato | 42 casos no bioma da Amazônia e 40 casos no bioma do Cerrado |
133 | suicídios | 59 casos no Amazonas e 34 no Mato Grosso do Sul |
Suicídio
[editar | editar código-fonte]Além das exploração ilegal do meio ambiente e dos assassinatos, uma grande faceta do racismo ambiental é a violência autoinfligida.[36] O suicídio entre indígenas, fenômeno associado aos jovens, reflete as pressões da recorrência de situações violentas e dos racismos cotidianos.[36][13] Nos primeiros 19 anos do século XXI, a população Guarani-Kaiowá, do estado do Mato Grosso do Sul, sofreu uma média de 45 suicídios por ano.[36]
Ativismo
[editar | editar código-fonte]O confronto ao racismo ambiental e a defesa dos direitos do meio ambiente são grandes frentes do ativismo indígena contemporâneo.[37]
Outros casos
[editar | editar código-fonte]Comunidades quilombolas, ribeirinhas e ligadas ao extrativismo sustentável também são grupo afetados pelo racismo e injustiça ambiental no Brasil.[23]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
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- ↑ a b «Entenda o que é racismo ambiental, termo apontado por Anielle Franco como uma das causas de tragédias climáticas no Rio». O Globo. 15 de janeiro de 2024. Consultado em 17 de janeiro de 2024
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