O que se espera sentir quando se vai a um velório? Por mais que soe estranha, essa pergunta integrou uma pesquisa da arquiteta Crisa Santos feita em diversos cemitérios, durante o Dia de Finados, para entender como um velário poderia influenciar na experiência de um visitante. Como, afinal, a arquitetura pode ajudar em momentos de luto?

Tal pesquisa não foi à toa. Há cinco anos, ela assumiu o projeto de requalificação, reforma e novas construções do Memorial Parque das Cerejeiras. Localizado entre o Jardim Ângela e o Jardim Capela, na zona sul de São Paulo, a ideia principal era de que o local passasse de velório e cemitério para parque aberto à população, atendendo a uma necessidade de áreas verdes das comunidades.

“A gente começou a pensar que precisava aliar o parque ao acolhimento — a palavra que definiu nossos projetos. A partir de estudos de civilizações antigas, nos perguntamos: o que era reverenciado? E era o ato de acolher, tanto para a alma que ia como para quem ficava”, afirma a profissional.

Por isso, o espaço de 300 mil m²  foi planejado para ter locais ecumênicos, para receber os que estivessem em luto, aliado a um parque para os moradores da região. A partir daí, foram pensadas 14 construções no total — seis das quais já foram entregues, em uma média de duas a três edificações entregues por ano.

Hoje, o espaço já conta com portaria, capela, orquidário, banheiros, velário jardim, mirante e a chamada Praça da Eternidade, espaço que conta o processo de evolução da vida de uma pessoa, e que possui um memorial com nomes das pessoas que foram cremadas, para ser um local de reverência pós-cremação. Vizinho do Parque Estadual Guarapiranga, mais da metade da área do parque é destinada à preservação ambiental.

O ponto principal do projeto de Crisa é a madeira, por trazer a sensação do aconchego, e o aço corten, que também traz calor. “O desenho da portaria é o levantar de um voo, como uma alma subindo ao céu. A construção é suspensa por pilares de madeira pra criar essa dança”, explica ela. A reforma da capela também traz essa linguagem, se tornando uma referência dentro do cemitério.

Isso é o que a profissional chama de “arquitetura do sentimento”: passar uma relação de sentimento pela arquitetura. “Como a pessoa está mais sensível, ela vai conseguir enxergar o que foi passado. A ideia é fazer com a que pessoa sinta a partir da forma”, explica. “A gente trabalha com a morte, mas precisa levar vida. Por isso, as construções têm um sentido de elevação: sobem, abraçam, permeiam”.

Por falta de referências na área, Crisa se tornou, ela mesma, uma referência. “A gente não conhece nenhum cemitério que tenha essa arquitetura de sentido”, ela conta. Por isso, a referência se tornou Inhotim, o museu de arte contemporânea a céu aberto em Minas Gerais. “Queria fazer um cemitério que trouxesse respeito, apoio e, ao mesmo tempo, arquitetura”, conta. Junto a suas construções, dois designers fazem parte da equipe: Hugo França e Sergio J. Matos, com obras espalhadas por todo o parque.

Segundo o diretor do memorial, Daniel Arantes, os dados do parque mostram que a revitalização tem cumprido com seu objetivo. O número de visitantes por mês, de antes e depois da reforma, passou de 5 mil para 10 mil pelos velórios, e de 30 para mil visitantes por mês.

Neste dia de Finados, o Memorial terá uma programação cultural. O cronograma inclui uma apresentação da Orquestra Filarmônica de Paraisópolis, missas campais, uma cerimônia de soltura de balões e uma exposição de fotos da artista plástica e fotógrafa Alessandra Bufe. Mais informações no site.