(arquivo pessoal/divulgação)
“Fala, show, show, show, uh! Mauro Shampoo, jogador, cabeleireiro, artista e celebridade do famoso Íbis, camisa 10 do ‘Pior’, às suas ordens”. Mesmo sem saber quem está do outro lado da linha, é desta forma que o ex-jogador e torcedor símbolo do “Pior Time do Mundo” atende o telefone.
Prestes a completar 62 anos, o ex-morador de rua, engraxate e meio-campista celebra a fama que ganhou por mostrar ao mundo seu amor pelo Pássaro Preto de Pernambuco.
Entrevistado da vez na seção Papo em Dia deste fim de semana, Mauro Teixeira Thorpe fala das dificuldades que passou na infância, quando largou a família para vender pastéis na Praia de Boa Viagem e ajudar a mãe, relembra os passos como jogador de futebol, conta como iniciou sua trajetória no Íbis e comenta o sucesso que ganhou como representante do time que completou 80 anos em 2018.
Como foi sendo construída essa sua relação com o Íbis?
Vê só, acho que não tem um jogador assim, que passou o que eu passei pelo pior time do mundo. A minha relação com o Íbis ainda é muito valorosa. Eu só perdia, mas ganhei valor com as derrotas. Joguei dez anos, só perdia, e a pior fase do time foi quando eu joguei. Atuei de 1980 até 1990. Fiquei seis anos sem ganhar um jogo e o único gol que eu fiz foi numa derrota por 8 a 1 para o Ferroviário, de Recife. Esse jejum, inclusive, foi parar no Livro dos Recordes. Eu tinha vergonha quando jogava e a turma ficava zombando de mim, mas hoje eu tenho orgulho.
Como foi que você chegou ao clube?
Rapaz, eu tenho uma base muito boa aqui em Recife. Fui chamado para jogar no Náutico, mas eu era aqui das favelas e jogava muito bem. Me destacava e era campeão dos bairros daqui, nos campos de várzea. Mas quando eu cheguei no Íbis foi triste, porque só perdia. Eu era maloqueiro, dormia nas calçadas e comia resto de comida; tinha pai e mãe, mas ficava na rua perambulando. Vim de família pobre, com 13 irmãos, pai cego, essas coisas... Fui trabalhar para sobreviver. Vendia pastel na praia para minha mãe. Conheci um bocado de maloqueiro aqui em Boa Viagem, engraxava sapato também, e hoje ainda vivo por aqui, neste meio metro quadrado. Nunca ganhei nada pelo Íbis, nem um salário, nem um bicho. O único título que eu tenho é de eleitor.
Antes, você estava no Santa Amaro. Como foi essa mudança?
Sim, joguei no Santo Amaro e ganhei algumas coisas por lá. Mas primeiro eu joguei no Vovozinha, onde eu só perdia também. Aí o dono do time, um deputado daqui, morreu e acabou o time. No Santo Amaro, fui campeão da Taça de Bronze, ganhava salário, concentrava e parecia mesmo um jogador de verdade. Entendeu como é, show? Aí o Santa Amaro também acabou e eu fui para o Íbis, que era um time concorrente.
E a repercussão que o Íbis ganhou no país e também no exterior, como isso aconteceu?
Pô, teve até protesto porque o time estava ganhando. Tem que ter a marca e a fama do pior. Por começar a ganhar, foi uma resenha danada. Teve sócio ajudando a gente com R$ 2 e tudo. Tem que perder, tem que perder, não pode ganhar. Quando ganha aí é só zoeira, entendeu como é?Íbis mania/Twitter / N/A
Aposentado dos gramados, ex-camisa 10 atuou pelo 'pior time do mundo' entre 1980 e 1990
Você hoje continua trabalhando como cabeleireiro, mas é o torcedor símbolo do Pássaro Preto. Como funciona esta relação atualmente?
Eu sou o torcedor símbolo do time. Quando fala do Íbis, todo mundo lembra de Mauro Shampoo, o melhor do pior. Eu era 10 assim como Pelé, Rivaldo, Zico e Maradona. Tudo aconteceu comigo de coisa boa por ser o pior. Eu tenho filme, Pelé também. Tenho uma música de Oswaldo Montenegro, Pelé também. Dou entrevista pra televisão, rádio e jornal, tudo com a marca do pior. Isso me orgulha bastante, show. Saio vestido de jogador e não tenho vergonha. Quando jogava, minha mulher sempre perguntava quando tinha ficado o jogo, e eu sempre falava que tinha perdido. Sou uma pessoa folclórica. Como a gente não tinha máquina, ela lavava o uniforme todo na mão e ficava tomando conta para ninguém roubar.
O Sport, também de Pernambuco, está na zona de rebaixamento do atual Campeonato Brasileiro. Existe uma provocação local?
Pois é. O Sport passou 14 jogos sem vencer e quase alcançou a marca do Íbis, de 17. No nosso campeonato daqui, da Série A2, ganhamos do Sub-23 do Sport, inclusive. Olha isso aí, visse a resenha. Eles estão querendo tomar o lugar do Íbis. Pode não, tá doido (risos)?
Você tem foto com Maradona, Pelé. Como foram esses encontros?
Eu tenho um filme que participou de um evento e fez um sucesso. Nunca andei de avião ou ganhei um prêmio como jogador de futebol, mas tive isso tudo como artista de cinema. É uma história maravilhosa. Me considero nesse patamar. O Brasil tomou dez gols em dois jogos na Copa do Mundo de 2014. Parecia o Íbis jogando, mesmo tendo o melhor salário do mundo.
E como é a situação financeira do Íbis?
O Íbis tem ajuda de custo e nada mais. Não tem alojamento, não tem concentração e nem nada. A gente se concentrava em casa, ia de bicicleta, chupando picolé e sem camisa. Teve uma vez que o juiz pediu para assinar a súmula e a gente pediu para esperar porque não tinha chegado todo mundo. Era difícil demais.
E muitos turistas vão ao seu salão?
Vem muito turista aqui sim, tirar foto e pedir autógrafo. Gente de tudo quanto é canto. É uma coisa maravilhosa, show. Pareço um jogador de verdade.
Se o Íbis fosse um time vitorioso, nada disso aconteceria com você...
Nada. Essa marca de ser o pior e os amigos que conquistei foram tudo para mim. Eu era bom de bola, cabeludo, perna torta, mas só perdia.