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Bandas como Sumo e Los Pericos misturavam temas locais e energia jovem com o típico compasso da guitarra do gênero jamaicano precursor do reggae. Curiosamente, toda essa mistura, na Argentina, sempre se resumiu somente sob o rótulo de pop e rock. Se você perguntar por ska nas grandes lojas portenhas, os vendedores mal saberão indicar aquele disco do Madness que mofa na prateleira do fundo.
Mambembe
Uma nova leva de bandas bonaerenses – agora com orgulho de levantar a bandeira do ska - surgiu na segunda metade dos anos 90, na ressaca da terceira onda, norte-americana, que rendeu no Brasil Skuba, Skamoondongos e similares. Dancing Mood, Mimi Maura e Satélite Kingston encabeçam essa nova cena, livres da estética adolescente e da mistura com o hardcore. Lotam shows no Niceto, na Trastienda e em casas da Costanera Norte. Fizeram-se ouvir na noite regueira do Quilmes Rock 2004 para 27 mil pessoas. Realizam turnês no exterior e lançam discos – mesmo que, com exceção do fenômeno da voz de Mimi Maura, ainda sigam desconhecidos da maioria dos seus compatriotas.
O Satélite nasceu em 1997 como um octeto no bairro de Villa Urquiza, limites da Capital Federal e última parada da linha vermelha do metrô. Cada um dos seus integrantes conduz um ofício paralelo, o que já levou a várias alterações na formação. Do primeiro disco da banda, Subterrania, gravação semimambembe de 1999, inédita no Brasil mas cujo show passou rápido aqui naquele ano, sobram hoje apenas Alejandro Pribluda (vocal e guitarra) e Daniel Flores (teclado).
Trazido pela paulistana Radiola Records, ...Una Isla (2003), o segundo álbum do Satélite, agora como um noneto, segue a sua turnê promocional que passa pelo Brasil. Na mochila, não apenas a certeza do amadurecimento sonoro, mas também um desejo de que agora a coisa engrene.
Orquestral
Subterrania, que ecoava em seis canções os românticos lamentos do tango, tinha a sua síntese na derradeira faixa sete, uma versão para “Adiós Nonino” de Astor Piazolla (1921-1992), produzida por Buster Bloodvessel, o lendário Fatty da banda inglesa Bad Manners. Os tangos relidos ficam de fora de ...Una Isla, mas os improvisos jazzísticos seguem sendo a marca do noneto.
Trata-se de um tributo à própria origem do ska, que surgiu nos anos 60 pré-rastafári como uma mescla dos ritmos caribenhos com a escola orquestral das big bands dos EUA. Longe de dar à guitarra base um papel de protagonista, fator que contribuiu para o rápido desgaste da terceira onda, o Satélite valoriza os metais. O naipe de cinco - um sax alto, um sax tenor, dois trompetes e um trombone - é o seu grande trunfo.
Das onze composições próprias do disco - mais o bônus escondido de “Locura de octubre” do primeiro CD – oito são instrumentais. “Jamaica Farewell”, delicioso calipso dos anos 50, famoso na voz de Harry Belafonte, não conta. “Si yo fuera rey”, a canção mais próxima da levada da terceira onda, também não – a não ser que você considere uma mensagem brasileira de sexo por telefone a letra da música.
Um pouco aqui e ali esse bom humor poliglota ajuda a equilibrar um conjunto já maleável pelo improviso. Enquanto “Nunca más” relembra as letras mais tocantes do álbum de estréia, a excepcional “Supuesta’s Steady Rock” e a guitarra dickdaleana de “F st.” fornecem o fino do fino. Dá pra ouvir e ouvir sem parar, para dançar ou apenas assobiar. Se a maior influência da banda são os decanos do Skatalites, não é à toa: foi essa quarentona big band jamaicana que praticamente inventou o ska-jazz.