Línguas jês
Jê é uma família linguística pertencente ao tronco Macro-Jê. Na época da chegada dos europeus na América do Sul, os povos ameríndios de língua jê encontravam-se sobretudo no interior do Brasil, uma vez que os tupis ocupavam praticamente todo o litoral do Brasil. Distinguem-se de vários outros povos das terras baixas da América do Sul por possuírem uma organização social bem definida, com aldeias circulares divididas em metades.
Histórico
[editar | editar código-fonte]Desde o Descobrimento do Brasil pelos portugueses, as tribos de fala tupi-guarani foram assimiladas pelos europeus. Esses índios, espalhados por praticamente toda a costa brasileira, denominavam genericamente aos indígenas de fala diversa à sua com o vocábulo tapuia - que, em sua língua, significava algo como "inimigo". Os europeus, que manifestavam uma forte tendência à simplificação, entenderam que, no país, havia apenas duas grandes "nações" - tupis e tapuias. Os chamados tapuias, considerados pelos colonizadores portugueses como mais primitivos e de catequese e conquista difíceis, foram duramente combatidos e exterminados, sendo que muitos dos povos e tribos então existentes desapareceram de forma tão completa que nem sequer há registro direto de sua existência.
Mas, no começo do século XX, os antropólogos passaram a rejeitar a denominação "tapuia", adotando a denominação de "gês" para este outro grupo de famílias linguísticas (tendo sido a grafia, com a reforma ortográfica, e para diferenciar-se do nome da letra G, grafada desde então como "jê").
Mais tarde, entendeu-se que as línguas indígenas do Brasil dividiam-se em dois grandes troncos - Tupi e Macro-Jê - e mais 19 famílias linguísticas sem graus de semelhanças suficientes para que pudessem ser agrupadas em troncos, e também famílias de apenas uma língua, às vezes denominadas "línguas isoladas", sem semelhança com outra língua conhecida.
Em 2010, o Censo demográfico do Brasil de 2010 do IBGE identificou 42.793 pessoas que falavam a família linguística jê, sendo 38.577 em Terras indígenas e 4.216 fora.[1] Do total, a maior parte vivia na região sul (18.733 pessoas), seguida da região centro-oeste (11.487 pessoas) e região norte (9.703 pessoas).[1]
Língua
[editar | editar código-fonte]Da família linguística Jê, integrante do tronco Macro-Jê, fazem parte as seguintes línguas:[2]
- Akwén
- Apinajé
- Kaingang
- Kayapó
- Panará Suyá
- Timbira[3] — cada povo timbira possui um dialeto particular. O dialeto mais divergente é o dos Apinayé, que talvez possa até ser considerado outra língua, embora os outros Timbira não pareçam ter dificuldade em entendê-lo. Também são os Apinayé os que mais divergem quanto à cultura. Como os únicos que ficam a oeste do Tocantins, são chamados de Timbira Ocidentais, em contraposição aos demais, os Timbira Orientais. Em qualquer dos povos timbira da atualidade, os homens, além da língua indígena, falam fluentemente o português; as mulheres, mesmo quando não o falam, entendem. É bem provável que os Krenyê e os Kukoikateyê não mais façam uso da língua timbira.
- Xokleng
Povos remanescentes que falam línguas jês
[editar | editar código-fonte]Classificação interna
[editar | editar código-fonte]Ramirez (2015)
[editar | editar código-fonte]Classificação interna das línguas jês (Ramirez 2015):[4]
- Jê
- Jê Meridional
- Jê Setentrional
Nikulin (2020)
[editar | editar código-fonte]Classificação interna das línguas jês (Nikulin 2020):[5]
- Jê
- Paranaense
- Cerratense
- Akuwẽ
- Xerénte
- Xavánte
- Jê de Goyaz
- Kayapó do Sul
- Mossâmedes
- Triângulo
- Panará
- Jê Setentrional
- Timbíra
- Parkatêjê; Kyikatêjê
- (sub-ramo)
- Krikatí; Pykobjê
- Krahô; Canela (dialetos: Apànjêkra, Mẽmõrtũmre)
- Trans-Tocantins
- Apinajé
- Trans-Araguaia
- Mẽbêngôkre
- Xikrín
- Kayapó
- Trans-Xingu (Tapajoara; Suyá)
- Kĩsêdjê
- Tapayúna
- Mẽbêngôkre
- Timbíra
- Kayapó do Sul
- Akuwẽ
Comparação lexical
[editar | editar código-fonte]Comparação lexical (Rodrigues 1986):[6]
Português | Canela | Apinayé | Kayapó | Xavánte | Xerénte | Kaingáng |
---|---|---|---|---|---|---|
pé | par | par | par | paara | pra | pen |
perna | tè | tè | te | te | zda | fa |
olho | tò | nò | nò | tò | tò | kanẽ |
chuva | taa | na | na | tã | tã | ta |
sol | pyt | myt | myt | bââdâ | bdâ | rã |
cabeça | kʰrã | krã | krã | ’rã | krã | krĩn |
pedra | kʰèn | kèn | kèèn | ’ẽẽnẽ | knẽ | pò |
asa, pena | haaraa | ’ara | ’ara | djèèrè | sdarbi | fer |
semente | hyy | ’y | ’y | djâ | zâ | fy |
esposa | prõ | prõ | prõ | mrõ | mrõ | prõ |
Reconstrução
[editar | editar código-fonte]Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ a b IBGE (2012). «Tabela 3483: Pessoas indígenas de 10 anos ou mais de idade, por alfabetização e localização do domicílio, segundo a condição de falar língua indígena no domicílio, tronco e a família linguística da primeira língua indígena». Censo 2010 - sidra.ibge.gov.br. Consultado em 4 de junho de 2024
- ↑ Instituto Socioambiental. Povos Indígenas do Brasil. Troncos e famílias.
- ↑ Rosane de Sá Amado / Lilian de Carvalho de Souza. «NOTAS SOBRE A FONOLOGIA DA LÍNGUA TIMBIRA» (PDF). Consultado em 28 de outubro de 2017. Cópia arquivada (PDF) em 28 de outubro de 2017
- ↑ Ramirez, H., Vegini, V., & França, M. C. V. de. (2015). Koropó, puri, kamakã e outras línguas do Leste Brasileiro. LIAMES: Línguas Indígenas Americanas, 15(2), 223 - 277. doi:10.20396/liames.v15i2.8642302
- ↑ Nikulin, Andrey. 2020. Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade de Brasília.
- ↑ Rodrigues, Aryon Dall'Igna. 1986. Línguas brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola. (PDF)