Mançoria
Mançoria Mansuriyya, Al-Mansuriya المنصورية | |
---|---|
Localização atual | |
Localização de Mançoria na Tunísia atual | |
Coordenadas | 35° 39′ 29″ N, 10° 06′ 50″ L |
País | Tunísia |
Província | Cairuão |
Cidade mais próxima | Cairuão |
Altitude | 50 m |
Dados históricos | |
Fundação | 948 (por Ismail Almançor) |
Abandono | 1057 |
Era | Idade Média |
Estado | Califado Fatímida |
Cronologia | |
Capital fatímida | 948 — 975 |
Capital provincial | 973 — 1057 |
Destruição | 1057 (invasões hilálias) |
Notas | |
Estado de conservação | Vestígios ténues |
Mançoria[1] (em árabe: المنصورية; romaniz.: al-Mansuria)[nt 1] foi a capital do Califado Fatímida durante os reinados dos imãs xiitas ismaelitas Almançor Bilá (r. 946–953) e Almuiz Aldim Alá (r. 953–975). Situava-se no que é atualmente o extremo sudeste da cidade de Cairuão, Tunísia, antiga capital da Ifríquia.
Erigida entre 946 e 972, Mançoria era uma cidade muralhada, onde se erguiam palácios cuidadosamente projetados, rodeados de jardins, lagos artificias e canais de água. Durante um curto período, a cidade foi o centro de um poderoso estado que incluía a maior parte do Norte de África e da Sicília. Após deixar de ser a capital fatímida, foi a capital provincial dos Zíridas até 1057, quando foi destruída pelas tribos invasoras dos Banu Hilal. Todos os objetos e materiais úteis ou de valor foram pilhados durante os séculos seguintes e atualmente só restam vestígios ténues da antiga cidade.
Contexto histórico
[editar | editar código-fonte]O Califado Fatímida teve origem num movimento xiita ismaelita lançado na Síria por Abedalá Alaquebar,[3] que se reclamava descendente, através de Ismail, o sétimo imã xiita, de Fátima, a filha do profeta do Islão Maomé, da qual os fatímidas tomaram o nome.[4] Em 899, Abedalá Almadi Bilá tornou-se líder do movimento e pouco depois fugiu dos seus inimigos, refugiando-se em Sijilmassa, no sul de Marrocos, onde pregou disfarçado de mercador.[3] Posteriormente, um dos seus apoiantes, um militante chamado Abu Abedalá, o Xiita, organizou uma revolta dos Berberes que derrubou a dinastia aglábida tunisina e convidou al-Mahdi para assumir o cargo de imã e califa. A cidade de Mádia foi então fundada na costa do Mediterrâneo para ser a capital do novo estado. O Califado Fatímida cresceu até incluir a Sicília e estender-se por todo o Norte de África desde a costa atlântica até à Líbia.[5]
O terceiro califa fatímida em Ifríquia foi o líder ismaelita xiita Abu Tair Ismail Bilá, que foi investido como imã em 12 de abril de 946 em Mádia, cinco semanas antes do seu pai morrer em grande sofrimento.[6] Abu Tair tomou o nome de Almançor ("o vencedor").[2] Nessa altura, Mádia estava cercada pelo rebelde carijita Abu Iázide, contra o qual Almançor lançou um ataque; em agosto de 946 tinha alcançado uma posição de superioridade nos combates pelo controlo de Cairuão.[6] Depois desta vitória, decidiu fundar a sua nova capital no local do seu acampamento no campo de batalha, imediatamente a sul de Cairuão.[7] Delineou a planta da cidade imediatamente após a batalha, em 946, embora passasse mais um ano em guerra antes de Abu Iázide ser finalmente derrotado.[8]
Construção
[editar | editar código-fonte]Mançoria situava-se a menos de dois quilómetros a sul da cidade de Cairuão já existente.[9] Substituiu Mádia como capital do império. Almançor mudou-se à nova cidade em 948.[10] Na construção foram usados materiais de construção retirados da antiga capital aglábida de Raqqada, próxima de Cairuão e que tinha sido destruída pelos rebeldes carijitas.[5]
A nova cidade ocupava uma área de cerca de 100 hectares.[11] Era de forma circular, à semelhança de Bagdade originalmente, uma forma escolhida possivelmente com o intuito de desafiar o califa sunita abássida que tinha a sua capital naquela cidade.[4] As muralhas tinham 12 côvados[12] (5,5 metros)[13] de espessura e foram construídas com tijolos cozidos aparelhados com argamassa de cal. O espaço entre as muralhas e os edifícios interiores era semelhante ao da largura de uma autoestrada moderna. A cidade dispunha de uma mesquita congregacional.[12] O palácio do califa era perto do centro, onde também havia outros palácios usados para fins cerimoniais, diplomáticos e administrativos.[14] O complexo palaciano ocupava uma área de 44 ha e o edifício principal era chamado Sabra ("força ou fortaleza moral").[12] Os historiador ibne Hamade (1153/4–1230) descreveu os edifícios do palácio como estruturas altas e esplêndidas rodeadas de jardins e água, que demonstravam a riqueza e poder do califa;[15] os seus nomes indiciam a sua natureza: a Sala de Audiências Cânfora, a Câmara do Diadema, a Sala de Audiências Perfumada e a Câmara de Prata.[16]
A construção de Mançoria foi terminada durante o reinado de Almuiz, que assegurou o abastecimento de água com a construção de um aqueduto. Com 36 km de extensão, este era baseado numa estrutura similar construída pelos Aglábidas. Almuiz mandou também construir uma nova conduta no aqueduto e acrescentou-lhe uma extensão de 9 km.[17] Outra construção do tempo de Almuiz foi um grande salão, cujas colunas com mais de um metro de diâmetro, vieram de Sousse, situada a um dia de marcha.[18] As obras da cidade foram acabadas em 972, um ano antes de Almuiz se mudar para o Egito.[5]
Ocupação
[editar | editar código-fonte]A cidade era sobretudo uma residência real, que continha palácios, jardins, uma ménagerie (espécie de jardim zoológico) com leões, quartéis e os estábulos reais. Almançor moveu 14 000 famílias cotamas à cidade e criou um soco (mercado). Segundo ibne Muadabe, «Almuiz ordenou aos mercadores de Cairuão que fossem às suas lojas e oficinas em Mançoria e regressassem a casa, para junto das suas famílias, à noite.»[17] Diz-se que as taxas cobradas sobre os produtos que entravam na cidade pelas suas quatro portas que ascendiam a 26 000 dinares de prata por dia.[19]
No seu apogeu, Mançoria foi a capital de um estado que incluía a maior parte do Norte de África, desde Marrocos à Líbia, e ainda a Sicília, embora esta estivesse sob a ameaça do Império Bizantino e do Sacro Império (então governado por Otão I), duas potências ativas no sul de Itália.[20] Em 957, uma embaixada do Império Bizantino levou um tributo do imperador devido à sua ocupação da Calábria, composto por vasilhas de ouro e prata decorados com pedras preciosas, sedas, brocados e outros valores.[21] Em Itália, Almuiz planeou a invasão do Egito, cuja conquista faria os Fatímidas rivais do poder dos Abássidas em Bagdade.[4][22]
O general fatímida Jauar, o Siciliano conquistou o Egito em 969. Ele construiu uma nova cidade palaciana no território conquistado, perto de Fostate, a que também chamou Mançoria. Quando o imã ali se instalou em 973, o nome foi mudado para Cairo (al-Qahira). A nova cidade era retangular e não circular.[23] Ambas as capitais fatímidas tinham mesquitas chamadas Alazar, do nome da filha de Maomé, Fátima Alazar, e ambas tinham portas chamadas Babal Futu e Babe Zuaila.[5] Como Mançoria, Cairo tinha igualmente dois palácios, um para o califa e outro para o seu herdeiro, um em frente do outro.[23]
Após os califas fatímidas se terem mudado para o Egito, Mançoria permaneceu a capital dos Zíridas, que se tornaram os governantes locais durante os 85 anos seguintes.[2] O emir zírida Almançor ibne Bologuine (r. 972–984) construiu um palácio para si na cidade.[7] Há registos de um casamento magnífico em 1022 ou 1023, do seu neto Almuiz ibne Badis, para o qual foram construídos pavilhões no exterior da cidade, foi exposto um extenso conjunto de têxteis e bens manufaturados e foi tocada música por inúmeros instrumentos.[24] Almuiz ibne Badis, que governou Ifríquia como vassalo dos Fatímidas entre 1015 ou 1016 e 1062, reconstruiu as muralhas de Cairuão e construiu duas outras ao longo de ambos os lados da estrada que ligava aquela cidade a Mançoria.[7] Ordenou também a transferência das oficinas e do comércio de Cairuão para Mançoria.[9]
Destruição
[editar | editar código-fonte]A cidade sofreu ataques dos Árabes nómadas da tribo Banu Hilal, o que levou os Zíridas a abandonarem-na e a mudarem-se para Mádia. Mançoria nunca mais voltou a ser ocupada.[7] Os seus materiais de construção foram depois usados pelos habitantes de Cairuão.[25] Em 2009, o local da cidade era um descampado, atravessado por muitas valas e rodeado de casas de gente pobre. Tudo o que podia ser aproveitado para construção ou outros fins foi pilhado durante os séculos em que esteve abandonada. Pedras, tijolos, vidros e metal foram completamente removidos. Pouco mais sobreviveu do que alguns fragmentos de estuque.[7]
Arqueologia
[editar | editar código-fonte]Reconhecimentos aéreos do local confirmaram que ali existiu um grande recinto artificial, de forma aproximadamente circular, onde se distinguem vestígios de vários reservatórios circulares e retangulares.[16] Os lagos podem ser identificados com os lagos artificiais descritos pelo poeta da corte Ali ibne Maomé Aliadi, que rodeavam o palácio.[16] As fundações foram descobertas em escavações[25] e há também vestígios das colunas de um grande salão[18] e de algumas partes do canal.[17]
Na década de 1920, o orientalista francês George Marçais levou a cabo uma pequena escavação. Na década de 1950, Slimane Mostafa Zbiss liderou uma outra[26] mais minuciosa do palácio do quadrante sudeste da cidade. Esse local foi objeto de mais escavações levadas a cabo por uma equipa franco-tunisina entre o final da década de 1970 e 1982. Porém, poucos resultados foram publicados e não há registos das localizações estratigráficas dos fragmentos de estuque que foram encontrados.[27]
Entre 2003 e 2008 foi levado a cabo um projeto mais cuidadoso,[28] durante o qual foi feito um esforço para localizar os fragmentos de estuque. Há evidências de múltiplas fases de ocupação, com diversos estilos e decoração, incluindo padrões de flores e folhas, geométricos, figuras humanas e animais, e epigrafia. Algumas decorações assemelham-se a trabalhos pré-islâmicos tunisinos, enquanto outros são de estilos comuns em outros sítios islâmicos.[29] Os sinais de trocas culturais com o Egito são menos do que seria de esperar, ao mesmo tempo que mostram um grau surpreendente de contacto com o Alandalus, apesar das hostilidades contínuas entre os Fatímidas e os Omíadas da Península Ibérica.[30]
Notas
[editar | editar código-fonte]- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Al-Mansuriya», especificamente desta versão.
Referências
- ↑ Sepulveda 1902, p. 39.
- ↑ a b c Bloom 2000, p. 234
- ↑ a b Yeomans 2006, p. 43.
- ↑ a b c Yalman
- ↑ a b c d Yeomans 2006, p. 44.
- ↑ a b Kupferschmidt 1987, p. 435.
- ↑ a b c d e Barrucand & Rammah 2009, p. 349
- ↑ Kupferschmidt 1987, p. 436.
- ↑ a b Denoix 2008, p. 128
- ↑ Halm 1996, p. 331.
- ↑ Denoix 2008, p. 129
- ↑ a b c Ruggles 2011, p. 120.
- ↑ Deza & Deza 2012, p. 533
- ↑ Cortese & Calderini 2006, p. 71
- ↑ Bloom 2000, p. 235
- ↑ a b c Bloom 1985, p. 28-29
- ↑ a b c Halm 1996, p. 345.
- ↑ a b Halm 1996, p. 344.
- ↑ Halm 1996, p. 361.
- ↑ Halm 1996, p. 407.
- ↑ Bloom 1985, p. 31
- ↑ Halm 1996, p. 408.
- ↑ a b Safran 2000, p. 68.
- ↑ Cortese & Calderini 2006, p. 92
- ↑ a b Daftary 1998, p. 75.
- ↑ Zbiss 1956.
- ↑ Barrucand & Rammah 2009, p. 350
- ↑ Cressier & Rammah 2004
- ↑ Barrucand & Rammah 2009, p. 351
- ↑ Barrucand & Rammah 2009, p. 352
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Sepulveda, Cristóvão Ayres de Magalhães (1902). História orgânica e politica do exército português Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional
- Barrucand, Marianne; Rammah, Mourad (2009), Necipoğlu, Gülru; Karen A., Leal, eds., «Sabra al-Mansuriyya and her neighbors during the first half of the eleventh century: Investigations into stucco decoration», ISBN 9789004175891, Brill, Muqarnas (em inglês), consultado em 25 de outubro de 2013
- Bloom, Jonathan M. (1 de junho de 1985), Grabar, Oleg, ed., «The origins of Fatimid art», ISBN 9789004076112, Brill, Muqarnas: An Annual on Islamic Art and Architecture (em inglês), 3, consultado em 25 de outubro de 2013
- Bloom, Jonathan M. (2000), Tracy, James D., ed., «Walled cities in Islamic North Africa and Egypt», ISBN 9780521652216, Cambridge University Press, City Walls: The Urban Enceinte in Global Perspective (em inglês), consultado em 25 de outubro de 2013
- Cortese, Delia; Calderini, Simonetta (2006), Women And the Fatimids in the World of Islam, ISBN 9780748617333 (em inglês), Edinburgh University Press, consultado em 25 de outubro de 2013
- Cressier, Patrice; Rammah, Mourad (2004), «Première campagne de fouilles à Ṣabra al-Manṣūriya (Kairouan, Tunisie)», ISBN 978-8495555588, Mélanges de la Casa de Velázquez, Jóvenes en la historia (em francês) (34-1): 401-409, consultado em 26 de outubro de 2013
- Daftary, Farhad (1998), A Short History of the Ismailis: Traditions of a Muslim Community, ISBN 9780748609048 (em inglês), Edinburgh University Press, consultado em 25 de outubro de 2013
- Denoix, Sylvie (2008), Jayyusi, Salma Khadra; Renata, Holod; Petruccioli, Attilio; Raymond, André, eds., The City in the Islamic World, ISBN 9789004171688 (em inglês), Brill, consultado em 25 de outubro de 2013
- Deza, Michel Marie; Deza, Elena (2012), Encyclopedia of Distances, ISBN 9783642309588 (em inglês), Springer, consultado em 25 de outubro de 2013
- Halm, Heinz (1996), Der Nahe und Mittlere Osten, ISBN 9789004100565 (em alemão), Brill, consultado em 25 de outubro de 2013
- Kupferschmidt, Uri M. (1987), The Supreme Muslim Council: Islam Under the British Mandate for Palestine, ISBN 9789004079298 (em inglês), Brill, consultado em 25 de outubro de 2013
- Ruggles, D. Fairchild (2011), Islamic Art and Visual Culture: An Anthology of Sources, ISBN 9781405154017 (em inglês), John Wiley & Sons, consultado em 25 de outubro de 2013
- Safran, Janina M. (2000), The Second Umayyad Caliphate: The Articulation of Caliphal Legitimacy in Al-Andalus, ISBN 9780932885241 (em inglês), Harvard CMES, consultado em 25 de outubro de 2013
- Yalman, Suzan, The Art of the Fatimid Period (909–1171) (em inglês), Nova Iorque: Metropolitan Museum of Art, consultado em 25 de outubro de 2013
- Yeomans, Richard (2006), The art and architecture of islamic cairo, ISBN 9781859641545 (em inglês), Americain University in Cairo. Garnet & Ithaca Press, consultado em 25 de outubro de 2013
- Zbiss, Slimane Mustapha (1956), «Mahdia et Sabra-Mansôuriya : nouveaux documents d'art fatimite d'Occident», Paris: Geuthner. Imprimerie nationale, Journal asiatique (em francês): 79-93, OCLC 27316772